
Dia cinza a agudiza. Tudo fica quieto como se sempre já tivesse estado lá à espera. Em dias assim, também ela espera com atenção. Canções empoeiradas atravessam a fina e escura malha da caixinha de som e, pesadas, sedimentam-se espalhadas no chão ao seu redor. Na tela do dia frio, pintam cores densas que coalescem e criam mundos impossíveis. Como é possível ter vivido tantas infâncias, adolescências e romances e não os ter vivido? Os mundos que cria e que (re)produz, as (bri)colagens de memórias e de estórias, os sentimentos costurados em colcha de retalhos, tantas letras em si, Deus! Onde estava, enquanto a pele engrossava, os cabelos começavam a se despedir e...? Acho que preciso de um chá verde. Bem morninho, por favor. Que é pra ver se o peito aquece. Mas, como eu ia dizendo, sonhar não é ruim, não. É gostoso, na verdade. Ficar observando as gentes da janela com violetas também. Mesmo tomar chá ou ir ao cinema sozinho pode ser uma delícia. O que mata é esse silêncio que abraça gelado em dia cinza e que nos corta com alguma lucidez maldita. Fecha a janela sobre uma das folhas da violeta, tirando-lhe o fôlego por um instante. Na biblioteca, os livros mofados. Na cozinha, a pia cheia de panelas e travessas sujas de já esquecidas refeições. À mesa, ninguém. Nunca.
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