
Seu José Braga, debaixo do chapéu de antigo tecido,
observou-me por uns instantes no consultório com aqueles olhinhos
de quem brotou de um livro do Guimarães Rosa,
até que deixou escapulir:
"Eu acho tão interessante como o doutor escreve
tudo retinho sem ter linha em baixo!"
Depois intercedeu por sua senhora junto à doutora dos cachinhos amarelos
"A dotora num se incomoda de dar uma olhadinha na minha reinha?"
E Dona Lunguinha entrou toda cheia de graça
no lugar do cuidado -- esse espaço sacralizado pelas pessoas.
Ah! Seu Zé Braga e Dona Lunguinha...
Eu, que empalideço a cada dia
e que tenho os ombros estreitos para melhor esconder
a pérola glacial que carrego ali
no centro de mim mesmo, eu,
cujas têmporas e orelhas jamais foram acariciadas,
é que me espanto com os mistérios.
Meu avô era loirinho e cheiroso.
Morreu mendigo, numa poça de vômito,
com gordas moscas profanando-lhe as cãs.
Seu Zé e Dona Lunguinha tem oitenta anos
e andam de mãos dadas.
Minha alma vive sozinha a pão e água num quartinho escuro.
O cata-vento gira cortando o entardecer e suas sombras.
Cantam as boas-noites com seus cheiros ancestrais.
Que calor é esse que não passa, meu Deus?!
São os poros que ardem querendo.
É a fome.
Ai! é a sede.