Este blog surge a partir do módulo "Arte e Literatura: Humanidades Médicas I" do curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará. O módulo tem por objetivo explorar, junto com as e os estudantes de graduação em Medicina, outras dimensões da práxis médica que não apenas as competências tecnológicas duras. Para isso, lança mão de recursos pedagógicos vivenciais e audio-visuais, trazendo elementos da Literatura, das Artes Plásticas, do Cinema, bem como das experiências pessoais compartilhadas pelas e pelos estudantes.
Apesar disso, hoje o blog não quer se definir. Aqui encontram-se estranhamentos e aleluias cotidianos de um contínuo tornar-se.
Apesar disso, hoje o blog não quer se definir. Aqui encontram-se estranhamentos e aleluias cotidianos de um contínuo tornar-se.
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Amador
Seu José Braga, debaixo do chapéu de antigo tecido,
observou-me por uns instantes no consultório com aqueles olhinhos
de quem brotou de um livro do Guimarães Rosa,
até que deixou escapulir:
"Eu acho tão interessante como o doutor escreve
tudo retinho sem ter linha em baixo!"
Depois intercedeu por sua senhora junto à doutora dos cachinhos amarelos
"A dotora num se incomoda de dar uma olhadinha na minha reinha?"
E Dona Lunguinha entrou toda cheia de graça
no lugar do cuidado -- esse espaço sacralizado pelas pessoas.
Ah! Seu Zé Braga e Dona Lunguinha...
Eu, que empalideço a cada dia
e que tenho os ombros estreitos para melhor esconder
a pérola glacial que carrego ali
no centro de mim mesmo, eu,
cujas têmporas e orelhas jamais foram acariciadas,
é que me espanto com os mistérios.
Meu avô era loirinho e cheiroso.
Morreu mendigo, numa poça de vômito,
com gordas moscas profanando-lhe as cãs.
Seu Zé e Dona Lunguinha tem oitenta anos
e andam de mãos dadas.
Minha alma vive sozinha a pão e água num quartinho escuro.
O cata-vento gira cortando o entardecer e suas sombras.
Cantam as boas-noites com seus cheiros ancestrais.
Que calor é esse que não passa, meu Deus?!
São os poros que ardem querendo.
É a fome.
Ai! é a sede.
domingo, 10 de julho de 2011
Meu fado
Quando eu nasci, veio a mim um anjo da parte do Senhor,
pintou-me o peito de anil e plantou ali fundo
um pé de gerânio roxo.
"Há de ser assim para que fique bonito",
disse com ar de chef e partiu.
Desde então, acalento com o maior zelo
essa angústia bendita que me acompanha
e que me enriquece.
Adubo-a, protejo-a do sol forte, rego-a.
Chorar, eu prefiro fazer pertinho de Deus,
quando ele me abençoa e me enche de poesia --
é uma flor que se abre.
Sou um vaso que transborda por não caber mais em si!
Minha alegria e minha tristeza são uma só coisa.
Tudo é graça divina. Plenitude.
Se tento me afastar, arrancar deste chão o talento escondido,
abre-se uma vala por onde toda beleza feinha escorre,
e a pele vira terra seca do sertão.
Fragmento-me todo rachado.
Sucumbo ao desespero da futilidade
e sinto vertigens de morto-vivo.
As pessoas nascem para certas coisas na vida.
Eu nasci para isso:
para cultivar melancolia.
quinta-feira, 7 de julho de 2011
Para embalar mansinho
"Antes que venham os ventos e te levem
do peito o amor -- este tão belo amor,
que deu grandeza e graça à tua vida --,
faze dele, agora, enquanto é tempo,
uma cidade eterna -- e nele habita.
Uma cidade, sim. Edificada
nas nuvens, não -- no chão por onde vais,
e alicerçada, fundo nos teus dias,
de jeito assim que dentro dela caiba
o mundo inteiro: as árvores, as crianças,
o mar e o sol, a noite e os passarinhos,
e sobretudo caibas tu, inteiro:
o que te suja, o que te transfigura,
teus pecados mortais, tuas bravuras,
tudo afinal o que te faz viver
e mais o tudo que, vivendo, fazes."
(Sugestão, Thiago de Mello)
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