É tão bom olhar a densa névoa dourada das quatro e meia.
Entra na pele um fôlego de vida.
Fecho os olhos e acalento estas docilidades:
tenho três anos e adormeço sentindo o cheirinho bom dos cachos recém-frisados de mainha,
painho faz cócegas na planta do meu pé rechonchudo com a barba por-fazer,
meu irmão anda pela casa com as pisadas de quem acabou de aprender a andar, exibindo os quatro dentinhos e segurando sempre uma escova de dentes -- andar sem segurar uma escova é muito perigoso.
Eu sorrio quietinho vivendo tudo.
Tenho saudades de chorar por minha avó quando ela partia.
E de estar assim desconsolado em público.
Ô pai, ô mãe, cadê vocês que eu só reconheço dentro de mim?
É a névoa das quatro e meia e as chamas de vela que meu espírito respira.
Sobe um cheirinho de bolacha cream-cracker passada na frigideira de minha tia.
Ah! como é gostoso lembrar esses cheiros, cores, jeitos, abraços, partidas...
Nutro-me assim
Inflo o peito e fico grande.
É o futuro que eu adivinho recordando.
Na luz escurecida do fim-de-tarde não há temporalidade.
Há cadeiras-de-balanço, rendas brancas, pés-de-jambo, vitrolas, retalhos, cheirinho de café, de pudim-de-leite, de biscoito-de-goma.
Eu mesmo faço um céu para comer e ponho no forno a massa que me deram desde a antiguidade.
Ouço os pássaros e sei.
É este ar que me preencherá.
É neste calor que irei me encurvar e enrugar.
É sob este luar que há de me banhar em breve que chorarei molhando-me todo por dentro
e que amarei em desmedida.
É aqui, neste exato lugar em que já sempre co-existo.
O que eu tenho é raiz e um livro no colo.