Foi assim: outro dia, estava na varanda do apartamento, alta noite, observando atento o silêncio da madrugada -- é preciso estar atento, pois com o silêncio não se brinca -- quando, numa árvore anciã do outro lado da rua, uma folha mais ousada estremeceu e, libertando-se do galho como quem realiza seu último suspiro, dançou graciosamente em seu destino de folha desgarrada, atravessando a rigidez vítrea da noite cega até, enfeitiçada, pousar-lhe no nariz. Fitou o rapaz nos olhos por um instante. Ele era magro e turvo. Havia nele qualquer coisa que não se via, nem se podia entender. De repente, agonizante, sussurrou-lhe: "estás vivo", e tombou morta. Com uma das mãos o rapaz sufocou na garganta o grito de pavor e, em sobressalto, sentiu os poros abrirem-se para o mundo. Havia ar pétreo a lhe envolver por todos os lados -- deu-se conta de que sempre estivera mergulhado no ar e de que encharcava-se dele para respirar, tal como um peixe bebe a vida na água. Suava pegajosamente, a respiração quente e abafada, a fome repentina e, finalmente, em espasmos, surgia uma luz perigosa e morna que vinha de dentro do peito e que o inebriava, como uma grito de amor e de êxtase, ou como uma gargalhada profunda. Meu Deus! Então era verdade! Notou que segurava uma pêra madura. Examinou-a ainda por um momento sem entender, mas, subitamente, adivinhou. Abocanhou voraz a fruta macia e doce. O suco lhe escorria pelos cantos da boca, impregnando a barba-por-fazer. Era verdade.