Este blog surge a partir do módulo "Arte e Literatura: Humanidades Médicas I" do curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará. O módulo tem por objetivo explorar, junto com as e os estudantes de graduação em Medicina, outras dimensões da práxis médica que não apenas as competências tecnológicas duras. Para isso, lança mão de recursos pedagógicos vivenciais e audio-visuais, trazendo elementos da Literatura, das Artes Plásticas, do Cinema, bem como das experiências pessoais compartilhadas pelas e pelos estudantes.
Apesar disso, hoje o blog não quer se definir. Aqui encontram-se estranhamentos e aleluias cotidianos de um contínuo tornar-se.

domingo, 21 de agosto de 2011

Eavesdropping

Passarinhos embalados no fio.
Manhã morna de Domingo.
São velhinhas assobiando na calçada.
Fiu-fiu, fifi-ri-fiu!
Conversinha boa de espiar.
Só entende quem fala manoeldebarrês,
quem fala criancês.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Au Café

Dia desses, fui comer uma coisinha doce só porque quis.
Sentei-me à mesa e sorri para o mundo.
Comi quietinho e atento -- é que comer sempre exige certa atenção.
As bochechas rosadinhas, o peito gostando.
Os ouvidos ouvindo Cartola colorindo as telhas da garagem.
Verde, amarelo, azul, vermelho, branco, verde...
O gosto de casa de vó, de rede balançando, de tardinha, de estrada bonita.
Eu, transbordando humanidade.

sábado, 6 de agosto de 2011

Junguiando

Em meu caminho com árvores e seus troncos retorcidos, cheios de nós, rondam-me arquétipos. Anima põe sobre o corpo leve um manto cheio de florzinhas. Seus olhos olham através. Tudo é etéreo, e Anima quase levita em sua candura e crueldade. Observa-me fugidia, me estende a mão e me ordena com doçura e intestinos: "Vem". Aproximo-me de si e ela com maldade me explica: "O caminho é estreito, e você, pesado." Por fim, sorri: "Arranque o braço esquerdo. Deixe-o sangrar até restar apenas ausência. Assim, alcançamos a eternidade". Hesito. Animus, por sua vez, me observa silencioso. Ele tem mãos gentis e um raminho de louro atrás da orelha esquerda. Fala grave e orgulhoso: "Fica", e me oferece um punhal. "Não se vive sem dor." O campo é verde, e há tanta vida brotando... A cada vez que me aproximo de um para, logo em seguida, buscar o outro, damos os três um passinho, e nessa dança desesperada eu rego o chão com água de mar. Ganho tempo. Rezo para que não chegue o dia da amputação. É que, na verdade, eu mesmo posso me liberar deles. Sim. Quem, entretanto, me libera de mim? Nutro ainda outro delírio. Anima e Animus se vão, e eu, inteiro e velho, desapareço entre o céu e a terra, vaga-lume que se apaga. Nem eterno, nem imortal, o gozo é efêmero.