Este blog surge a partir do módulo "Arte e Literatura: Humanidades Médicas I" do curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará. O módulo tem por objetivo explorar, junto com as e os estudantes de graduação em Medicina, outras dimensões da práxis médica que não apenas as competências tecnológicas duras. Para isso, lança mão de recursos pedagógicos vivenciais e audio-visuais, trazendo elementos da Literatura, das Artes Plásticas, do Cinema, bem como das experiências pessoais compartilhadas pelas e pelos estudantes.
Apesar disso, hoje o blog não quer se definir. Aqui encontram-se estranhamentos e aleluias cotidianos de um contínuo tornar-se.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Gostinho de Vida

Tem coisa mais charmosa que tomar um cafezinho à meia luz, enquanto se faz uma leitura gostosa, ou se conversa amenidades com gente querida? Hoje, à tardinha, revestido pelo dourado do sol em seus últimos bocejos do dia, estive em companhia de gente grande que muito admiro e me senti um tantinho assim maior, mais consistente e presente. Ah! os estados de graça são inexplicáveis. Fecho os olhos e agradeço a vocês por existirem, meus amigos.

Sobre tornar-se o que se é

"Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho, pois Deus já de antemão se agrada das tuas obras. Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes, e jamais falte o óleo sobre a tua cabeça. Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida fugaz, os quais Deus te deu debaixo do sol; porque esta é a porção nesta vida pelo trabalho com que te afadigaste debaixo do sol. Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além, para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma."
(Livro do Eclesiastes, cap 09)

Mousse de limão



Os pés, cheios de distâncias, realizam sobre o asfalto seu movimento de maré. Caminho ao meio dia para sentir o ardor de viver. E agradeço às últimas árvores que restaram. Nós também temos raízes. Meus pés de argila procuram o seio materno em vão. Freud, Klein, Winnicott já nos explicaram tudo isso... Sim, porque a dança que dançamos é a do fim. E há sempre o asfalto mudo e insosso a nos recalcar de nós mesmos. Paro um instante na calçada verde. As mãos brancas, finas e mais ásperas do que parecem. Penso em tocar as rugas ancestrais de uma ávore mais gentil, brotada da Terra. Encharco-me de humanidade para ouvir seu grito sufocado. Seria capaz de surportar, meu Deus? Ela que pare seus algozes suicidas consternada como uma baleia e enrola-se sobre si mesma para existir. Encaramo-nos mudos por segundos. Chegou a ser minuto? Não sei. Não sabemos mais. Viver é coisa antiga demais para nós. É cheio de tempo. O tempo, nós o cortamos e esprememos e o vendemos aniquilado a ninguém. Quem quer tempo? Duas folhas secas rolam sua musiquinha crocante no chão. Minúsculos esqueletos sonoros. Os operários da construção ao lado da minha interlocutora retomam suas atividades suadas e põem fim ao nosso diálogo silencioso. Isso também é asfalto. Ouço uma cantiga efêmera sobre o entardecer. O xilofone dá um arzinho delicado e frágil à voz da cantora. Atravesso a trama de carros prata-ofuscantes e entro no supermercado. Faço movimentos descartáveis e falo coisas descartáveis.
-- É só isso?
-- Deixa ver: limão, leite condensado e gelatina incolor. É. Só isso mesmo.
-- Já é cadastrado? Não?! Que pena... você ganharia um desconto por trazer a sacolinha...

Fiquei sem desconto mesmo. Prefiro assim: sem sedativos. Um dia desses, ouvi de uma mulher bastante perturbada que estamos todos à beira do vulcão e que as pessoas nem se dão conta... Os últimos homens vivem parvamente suas alegrias obrigatórias e amortecem as dores. Se é assim, eu mesmo farei um mousse de limão e sorrirei meu sorriso de vaga-lume por um triz. Vamos! Voemos entrelaçados e pegajosos, então, até o ponto em que a luz apagar. Até que nada mais haja para ser lembrado. Mousse, azedo, mas tão doce quanto puder ser.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Sobre a vertigem

"Uma adrenalina é quando eu grito."
(Jonas, um garotinho de 7 anos muito vividos)