Este blog surge a partir do módulo "Arte e Literatura: Humanidades Médicas I" do curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará. O módulo tem por objetivo explorar, junto com as e os estudantes de graduação em Medicina, outras dimensões da práxis médica que não apenas as competências tecnológicas duras. Para isso, lança mão de recursos pedagógicos vivenciais e audio-visuais, trazendo elementos da Literatura, das Artes Plásticas, do Cinema, bem como das experiências pessoais compartilhadas pelas e pelos estudantes.
Apesar disso, hoje o blog não quer se definir. Aqui encontram-se estranhamentos e aleluias cotidianos de um contínuo tornar-se.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Segredos de bordo e outros microprazeres

Pela janela do carro...

Partitura

Trama

Matrix

Braile

Amélie

Ancestralidade

Le feu

Sexta-feira: celebrando a pluralidade


No fechamento do módulo, celebramos a pluralidade de nossas perspectivas através das apresentações dos ensaios fotográficos individuais. Cada um, ao longo da semana, esteve incumbido de produzir um ensaio com tema livre para apresentar ao grupo hoje. O resultado não poderia ter sido outro: a prova da coesão singular e diversa desse grupo. Aguardem... em Fevereiro, traremos novidades... Nada mais digo sobre isso. É segredo. Não insistam rsrsrs

Por falar em segredos, postarei a seguir algumas fotos de meu ensaio, que nomeei: Segredos de bordo e outros microprazeres. Trata-se de um pequeno apanhado de perplexidades surgidas especialmente em viagens, quando me sinto algo mais susceptível a me surpreender com o mundo.

Sobre o olhar



"A ausência de evidência não é o mesmo que a evidência da ausência"

(Carl Sagan)



"Olha para mim e me ama. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo."



(Clarice Lispector)

Quinta-feira: dos (entre)olhares


O entre-olhar é o espaço mesmo em que se inscrevem as relações interpessoais. É aquilo que mediatiza a relação entre a minha sensibilidade e a do outro, não necessariamente a visual. Nessa perspectiva, assistir ao filme "Janela da Alma" nos instigou a refletir um pouco sobre essa dimensão comunicativa e construtiva do entre-olhar na formação médica. No filme em questão, uma cineasta fala de como o não dito no olhar de sua mãe afetou sua infância e de como esses afetos acabaram influenciando a construção de sua identidade. Imbasciati, se não me engano, diz que, a partir do olhar da mãe, a criança se descobre singular e distingue o mundo interior do mundo exterior. Na formação médica, sinto que ocorre algo parecido. Os olhares nos comunicam possibilidades de determinadas formas de ser que o acadêmico recorta, descarta, absorve e ressignifica, criando uma prática sui generis. Preocupa-me, no entanto, que o olhar médico, gradualmente mais mecatronizado, ao se increver em uma nova relação com o corpo, corra o risco de deixar de lado a dimensão significante da percepção e equivocar-se pensando ser capaz de, de fato, enxergar a realidade tal como ela é, em vez de reconhecer-se enquanto um olhar singular dentre diversos possíveis. Nessa relação, temo que o entre-olhar assuma efetivamente sua conotação corrente de mera espiadela muda e objetiva(nte), esquecendo-se da dimensão dos afetos invisíveis, do intuído, da co-construção de possibilidades de saberes, de cuidado e de identidades.
Janela da Alma é fascinante. Cada frase nos confronta, nos põe em cheque. Imprescindível.

Terça-feira: o habitus médico em pauta



Para Bordieu, o habitus é uma forma de disposição à determinada prática de grupo ou classe, ou seja, é a interiorização de estruturas objetivas das suas condições de classe ou de grupo sociais que gera estratégias, respostas ou proposições objetivas ou subjetivas para a resolução de problemas postos de reprodução social. Nesse sentido, as provocações da terça-feira tangenciaram aquilo que poderíamos chamar habitus médico. A partir de nossas vivências pessoais, compartilhamos estranhamentos, perplexidades e deslumbres com relação à práxis médica e ao perfil desse profissional no Brasil. Encerramos com uma breve discussão acerca do filme nacional "Do Luto à Luta", documentário que narra as experiências de algumas famílias ao receberem a notícia de que teriam filhos e filhas com Síndrome de Down e os embates que tiveram de travar na tentativa de concretizar seus direitos. As famílias também fazem referência à abordagem da equipe de profissionais de saúde no momento da comunicação, que na maioria dos casos se deu de forma preconceituosa, autoritária ou incompreensível. Lindo e crítico, o filme levanta questionamentos absolutamente pertinentes mesmo hoje.

Segunda-feira: (Re)Conhecendo-nos


Éramos um pequeno grupo de estudantes. A maioria julgava conhecer-se. A professora, Fátima Azevêdo-com-acento-mesmo, nos entregou uma folha de papel e nos pediu que nela puséssemos tudo que conseguíssemos dizer a nosso respeito. Quem sou eu? Irritação necessária a todo início que se pretenda minimamente consistente. Tímidos e circularmente dispostos, inscrevemos nossas marcas em algumas linhas, que, ao compartilharmos no momento posterior, enovelaram-se, diluíram-se, ziguezaguearam e teceram uma trama em retalhos que nos surpreendia pela beleza da pluralidade. "Quando me abraçam, percebem que meus espinhos são de borracha e aí apertam mais forte. Sou gostoso de apertar; os espinhos fazem massagem", "Tenho uma avó que queria ser minha mãe e um avô que não queria ser meu avô", "sou prática e objetiva", "conversas na varanda... às vezes com choro. Muito chorinho", "procuro viver de forma simples", "tudo mudou quando me dei conta de que cada dia a mais é, na verdade, um dia a menos", "decidi que não ia mais relevar coisas que, em outro momento, eu poderia tolerar", "sou um bom amigo", "adoro Chico Buarque", "Tenho raízes quentes e judias", "Ser uma médica exemplar já não era mais suficiente. Há uma sociedade inteira a ser construída" -- sim, éramos tudo isso reunido. Éramos também, Vinícius de Moraes, Clarice Lispector, Thiago de Melo, Caio Fernando Abreu... singulares e, a partir daquele momento, secretamente cúmplices.